sexta-feira, 26 de março de 2010

Mais um exclusivo de Francisco Moita Flores

Talvez por não viver tão internamente, e por isso tão intensamente, a campanha do PSD à liderança, ao contrário da voz corrente, sempre tive a impressão de que conforme os dias passavam estava a acontecer um desvio do psicodrama. Se numa fase inicial a ideia que dominava era a de que, nem que Jesus voltasse outra vez à Terra, as hostes mais fermentadas e anquilosadas, diria mesmo esclerosadas, do PSD clamavam por um candidato contra Pedro Passos Coelho. Qualquer um! Viesse de onde viesse, de vagas de fundos ou de vagas de superfície, era preciso impedir uma aragem fresca, uma brisa que fosse, que perturbasse o sono rancoroso das lapas laranjas mais cheias de musgo.

À falta de melhor, movidos pela impaciência, inventou-se Paulo Rangel. E o pobre do rapaz que já tinha jurado mil meses que jamais sairia de eurodeputado, que jamais seria candidato, ou até, numa expressão engraçada ‘candidato a candidato’, de repente, era o principal candidato!

Confesso que me surpreendeu. Aguiar Branco estava a emergir, a revelar-se um líder de bancada de grande tacto, assertivo, com uma postura que não resvalava para a gritaria, nem para o insulto, nem para a picardia, a ser o rosto humano da actual direcção do Partido. Percebe-se que é um homem bem formado, tranquilo, que retira prazer do serviço público.

Se os velhos caudilhos queriam uma renovação na continuidade, Passos Coelho teria sofrido muito mais para se colocar no lugar onde agora se encontra, claramente distanciado dos restantes concorrentes. Aguiar Branco tem essa virtude. Sabe estabelecer pontes, compromissos, é confiável.

Só mais tarde soube que a velha nobreza não estava disponível para estabelecer qualquer ponte ou possibilidade de mudança com o ar fresco que sopra do lado de Passos Coelho e que entregaram a Rangel o punhal de Brutus, apunhalando o pai pelas costas, sem misericórdia, impiedosamente. É dos mais momentos mais tenebrosos da vida pública, embora pudica pois não se fala disto sem sentir desconforto, do PSD. E Rangel, a ressuscitada ‘picareta falante’, contradisse tudo, desdisse tudo, prestou-se a este acto de pobreza indigente.

Não duvidei que Aguiar Branco iria ser candidato. Que aguentaria todas as pressões. Que recusaria todas as convergências. Em primeiro lugar porque não o vejo a candidatar-se contra Passos Coelho para ser o bonifrate das lapas laranjas, tão agarradas ao poder, que lhes cresce musgo nas costas. Em segundo lugar, porque a sua candidatura seria o rosto da lisura, da honradez contra a carnificina que Rangel representava. Mais uma vez. Como há seis meses atrás.

E fez uma campanha igual a si próprio. Respeitando os adversários, limpa, encaixando todos os golpes baixos que o atingiam. Curiosamente, todos vindos dos seus potenciais apoiantes. Também não me espantou a cortesia de Passos Coelho. É, no meu ponto de vista, excessivamente cortês para quem o tem tratado tão mal. Mas é um líder e sabe superar as ondas de maldição. E superou-as.

Porém, quanto a Aguiar Branco surpreendia-me a placidez. O silêncio sobre a canalhice que tinha sido alvo e que continuava a ser, tendo o melhor epílogo nas história das listas.

Afinal, esperou pelo maior debate e perante milhões, com frieza florentina, pôs a nu o carácter do homem a quem dera a mão e o apunhalou. Não foi um debate. Passos Coelho caminhou sozinho e tranquilo para a vitória que o espera e Aguiar Branco, para quem a honradez valerá mais do que qualquer lugar, ofereceu este testemunho aos que o estimam, que respeitam, que o admiram. Seguramente um testemunho de verticalidade. E aquilo que não disse, dizendo com os disparos contra quem o enganou foi isto: Prefiro perder as eleições do que ver o meu Partido entregue a gente do seu calibre!

Um debate sobre a honra. Valeu a pena. Vai tardar para que mais um pardalito chilreante e serviçal tenha a ousadia de se candidatar à liderança de um Partido nascido de homens com a coragem de Sá Carneiro.

E agora assino:

Francisco Moita Flores

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